domingo, 8 de julho de 2012

Ringolevio








Voltando à vaca fria e a propósito dos discursos socialistas que dão para tudo, relembro o lendário anarquista americano Emmett Grogan (1944-1978) que fundou o grupo radical Diggers em San Francisco com Peter Coyote, actualmente actor de cinema. Também criou o free story, um projecto experimental que se propunha questionar o papel do consumidor na sociedade capitalista. Figura lendária da contra-cultura revolucionária participou na Roundhouse em Londres na conferência Dialectics of Liberation com Allen Ginsberg, William Burroughs, Alexander Trocchi e muitos outros oradores associados aos movimentos contestatários. O anti-psiquiatra R.D.Laing declarou que toda a gente era louco incluindo ele mesmo. John Gerassi que acabara de voltar duma viagem a Cuba falou sobre a importância das revoluções violentas. Gregory Bateson evocou o aspecto científico do síndroma da ansiedade de que todos sofremos. Allen Ginsberg afirmou que a melhor estratégia psico-política era denunciar publicamente politicamente as "alucinações de um governo policial".
Antes do início da conferência Ginsberg apresentou Stockely Carmichael e a activista Angela Davis que representavam ali a esquerda americana. O dirigente dos Black Panthers, rodeado dos seus seguidores pretos, estendeu a mão todo sorridente e disse "feliz por te conhecer, meu irmão". Emmett limitou-se a dirigir-lhe um olhar frio e duro, ignorando o gesto. Humilhou-o diante das pessoas que assistiram estupefactas à cena. Mas quem é realmente este tipo? Até chegaram a admitir tratar-se de um racista. "Não gosto dele e não tinha o menor desejo de o conhecer. Manifestei o que sentia, não sou hipócrita como os políticos de esquerda ou de direita", sublinhou Emmett.
Quando chegou a sua vez de intervir, Stokely Carmichael lançou-se numa violenta diatribe contra os floridos hippies de cabelos longos, pregadores da paz numa época de guerra revolucionária e que não passavam de uns burgueses cobardes...blá, blá. As últimas palavras foram de Emmett Grogan. Refuta as vociferações de Carmichael, sem demagogia explica simplesmente que a obra dos Diggers não era um truque como o Exército de Salvação, concluindo que desde a sua infância sabia que "as flores morrem demasiado depressa, mesmo quando têm espinhos". No dia seguinte, numa sala a abarrotar de esquerdistas, é ovacionado antes de pegar no microfone. "A nossa revolução provocará uma mais profunda transformação interna do que todas as revoltas da história contemporânea reunidas...Vamos viver em comum a nossa vida e a nossa revolução. Uma vida comunitária pela paz, pela prosperidade espiritual, pelo socialismo....o poder ao povo". O discurso durou dez minutos e no final ouve-se uma calorosa ovação. Impassível, o digger depois do público se acalmar, fala pausadamente. "Aprecio o vosso entusiasmo mas para ser franco não fui eu que escrevi este discurso. Só sei que quem o pronunciou pela primeira vez em 1937 foi um senhor chamado Adolfo Hitler. Eu agradeço a vossa atenção, adeus e obrigado". Caiu um pesado silêncio na sala e trinta segundos depois a plateia enfurecida manifesta a sua cólera. Partem cadeiras, pegam fogo ao estrado e já na rua envolvem-se em distúrbios.
Emmett Grogan visitou dez cidades europeias onde se encontrou com os responsáveis de vários movimentos tais como os Provos de Amesterdão, Joe la Fiévre de Praga, os Communards da Universidade Livre de Berlin e etc. Regressou exausto a Nova Iorque onde a família dos Grateful Dead o aguardava no Chelsea Hotel. Dormiu trinta horas seguidas.
Comprei nos anos oitenta Ringolevio: A life played for keeps, um livro que escreveu sobre a sua turbulenta vida. Emmett Grogan é um dos meus heróis. Morreu aos 35 anos com uma overdose de heroina.

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